Sinto que meus passos já não podem acompanhar minha mente! Ou será meu corpo que já não acompanha minha alma?
Isso é grave doutor?
Em inúmeros momentos sinto-me fora dos meus limites físicos
enquanto observo meus pés presos ao chão!
Devaneios ? Loucura? Pouco importa o nome que se dá! Eu ando
por onde desejo, decido minhas companhias e já ninguém me impede disso!
Certa vez fui parar em Paris onde jantei com Baudelaire - O
poeta pródigo e drogado que me falara que:
"é preciso povoar a solidão".
Encabulei-me tão logo que me dei conta da minha! Mas em
seguida, ao apontar para o Boulevard abarrotado de caminhantes, Baudelaire
atentou-me à necessidade de se obter o equilíbrio em tudo, e assim sabiamente
frisou também que:
"é preciso saber isolar-se entre a gente".
Sorriu puxando o canto da boca enquanto tirava do bolso um
lenço de puro linho com o qual secou-me os lábios manchados de vinho.
Com a segurança típica de quem já rompera suas muralhas,
afirmou que um dia eu compreenderia suas palavras e assim, então, eu romperia
as minhas próprias!
Compreendido estás Baudelaire. O segredo está mesmo no
equilíbrio! Quanto à muralha que ainda me aprisiona, esta foi construída sobre
a base sólida do medo. Medo esse tão arrasador quanto às bombas verbais e
diárias impelidas contra eu mesma!
E por falar em equilíbrio, remeto-me também ao dia em que
estive em companhia de Maiakovski. Este também me falou de luta em tempos de
guerra e não pode deixar de citar ele - o medo! Medo da repressão, das
injustiças e da dor aterradora que nos acomete o espirito quando a solidão nos
bate à porta!
Continuava ele a me falar dos males da sociedade
capitalista, quando o interrompi:
_ E quanto ao amor, Maiakovski? Noto que, por amor, tantos
justificam extrair lágrimas de outrem. E estes, embora feridos, também por amor
lhes concedem o perdão em meio às lágrimas derramadas! - questionei-lhe isso
com certa melancolia, conforme sugeria aquela tarde nublada outono de 1926, nos
arredores da Catedral de São Basílio na Praça Vermelha em Moscou!
Foi quando ele prontamente respondeu, parando de rabiscar a
folha de papel que tinha nas mãos e me olhando firmemente nos olhos:
_ "Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que haja falta de amor".
Compreendi mais uma vez que o caminho, nem de ditatorialismos
nem de subserviências deve ser trilhado, mas sim de temperança! Novamente ela -
a temperança! Justo esta que sempre foge a galope todas as vezes que a tento
encilhar!
Van Gogh após uma vida de "fracassos", morreu
sozinho e visto como um louco!
Bem perto de concluir a obra "Retrato do Doutor
Gachet", seu médico e amigo, também Van Gogh me fez perceber que a
solidão, o medo e a tristeza, embora me fossem peculiares, não eram sentimentos
restritos à minha pessoa. Pude percebê-los, mais uma vez ali, naqueles olhos do
retrato. Nos olhos de quem Van Gogh, ironicamente, pagava para lhe apontar
soluções.
_ Solução! Para tudo eu não encontro! Mas parte delas
costumam me vender dentro desses vidrinhos alí" - disse-me ele apontando
com o pincel para o frasco com digitális sob o criado mudo.
E eu retruquei:
Quisera eu que, para meus medos e minha impetuosidade,
também houvessem antídotos vendidos em frasquinhos assim.
***
Voltando então ao consultório onde me encontrara naquele
momento e fitando os olhos do dono do jaleco branco sentado à minha frente, de
barba negra e expressão sisuda, não resisti em provocar:
Quem lhe parece mais saudável, heim Dr.? Vicent em sua arte
onde a liberdade lhe é permitida entre telas e cores? Ou o Dr. Gachet
aprisionado em sua ciência?
O que é normal, doutor? O que é ser alguém de sucesso?
Antes que ele respondesse (se é que isso lhe ocorrera) percebo um quadro na parede esquerda, emoldurado e em destaque. Trata-se de um diploma de psiquiatra concedido a quem dedicou-se em estudos para agora julgar minha conduta através de minhas palavras e, neste exato momento, encontra-se prontamente disposto a sugerir meu destino.
Antes que ele respondesse (se é que isso lhe ocorrera) percebo um quadro na parede esquerda, emoldurado e em destaque. Trata-se de um diploma de psiquiatra concedido a quem dedicou-se em estudos para agora julgar minha conduta através de minhas palavras e, neste exato momento, encontra-se prontamente disposto a sugerir meu destino.
Hora de conter-me. Melhor nem citar o chá na casa de
Virginia Woolf ou os dias que passei com Callas durante suas apresentações em
Florença no verão de 52!
Baseado em tudo isso que acabei de lhe contar, qual seu veredito, doutor?
Seguirei eu livre para continuar a encontrar-me com meus ídolos e heróis? Ou estou fadada às drogas que me condenarão ao torpor, abolindo meu senso crítico e minha capacidade de sonhar?
Seguirei eu livre para continuar a encontrar-me com meus ídolos e heróis? Ou estou fadada às drogas que me condenarão ao torpor, abolindo meu senso crítico e minha capacidade de sonhar?
E quanto a minha imaginação, doutor? O que eu faço com ela,
aqui pendurada nesse rabo de cometa, prontinha pra voar de novo?
Si Cris